Meus três filhos


TENHO tres filhos. 

O primogenito, Gabriel, é herdeiro da geração baby boom

Aliás, eu mesmo sou um baby boomer posterior (nascidos entre 1954 e 1964), enquanto ele é um membro da geração Y (entre final dos anos 70 até meados de 1990)a primeira geração a adotar amplamente todos os meios de comunicação possíveis e as tecnologias da informática. As características das gerações são diferentes entre si, mas ele viu seus pais trabalharem toda a vida para construir uma carreira e uma aposentadoria sólida dentro do possível. Então, embora faça parte de um mundo bem mais tecnológico, sonha e produz com vistas em um futuro baseado na criatividade e no trabalho duro para realizar seus desejos, entre os quais se encontram viagens, gastronomia, cultura.

A construção que impôs a si mesmo é de uma carreira seqüencial,  Embora tenha no trabalho do pai e da mãe uma referência, meu filho não deixa de aproveitar o que eu, muitas vezes, deixei; não perde oportunidades para suas autogratificações. Tour de force são necessários, mas os prazeres de uma atividade criativa como publicitário e designer, aos quais se ajuntam prazeres estéticos e culturais o mantêm ligado em uma vida mais fluída e dinâmica.

Gabriel circula em um meio que Bauman denomina de líquido, e as questões postas no limite de uma vida pontilhista, onde desponta o consumismo e a constante re-identificação com vistas a inserção social não lhe são desconhecidas. Contrariamente, lhe são bastante próximas, sendo absolutamente indispensável tal conhecimento dentro de seu méttier.

No entanto, justamente por ser herdeiro de um baby bomer posterior, prazos são indispensáveis, compromissos são para serem cumpridos e caráter é algo que se leva no DNA.

Quando me separei de sua mãe, Gabriel, claro, sofreu, mas um ano depois, já estabelecido e iniciando com uma colega sua própria agência de design, me chamou para dizer que não precisava mais da pensão alimentícia que eu lhe pagava à época. Disse que já se autosustentava e que, portanto, não achava mais necessária a proteção paterna neste sentido. Ajuntou que sabia que poderia sempre contar comigo. Até hoje, Gabriel não me pediu mais um centavo, o que prova não apenas que estava certo desde que tinha dezoito anos e que caráter é uma característica da educação que recebeu.

Gabriel oscila entre o mundo do produtor, segundo Bauman, e do consumidor, entre a obrigação e o prazer, entre as viagens de avião a negócios e aquelas feitas para turismo. Citando Rifkin, na obra clássica “O fim do emprego”, meu filho está bem distante de ser uma pessoa com a qual o mercado se desimporta; méritos, trabalhos e conquistas pessoais e profissionais são seus créditos intransferíveis, bem como um sentido de empatia que é admirável. 

Meu filho Gabriel, com quem discuto de quando em quando, em tudo responsável, meticuloso, humano e criativo. 

Tenho três filhos. 

Miguel, geração Z. 

Como Gabriel, voltado para a criatividade, na qual se mesclam o talento e o estudo constante, contínuo. Miguel será músico; decidiu com base em sua vocação desde os onze anos, quando misturava os sons de violões e guitarras. Ele tem nos ensinado que ser músico é um caminho que envolve dedicação, sensibilidade e muito trabalho. Percebo que Miguel quer ter uma vida mais para Domenico di Masi do que para indústria, comércio ou administração. Não lhe importam, absolutamente, as competições e as armadilhas do mundo gerencial. Miguel não acha que é looser quem não ganha muito dinheiro ou não tem sua posição social reconhecida entre seus pares. Aliás, os conceitos que envolvem uma vida predatória ou extremamente competitiva não lhe são caros. Miguel não é darwinista, nem pretende, hoje, alçar voos nos quais tenha de comprometer seus valores pessoais.

Ele desenha sua vida como quem aprende música, uma vida gratificante, boa de ser vivida, sem os incômodos e os percalços que a excessiva competição no mercado exerce sobre nossas redes neurológicas, o que não significa que vá, facilmente, abrir mão do que entenda correto e do que entenda seja seu merecimento.

Com vinte e quatro anos, provavelmente estará recebendo o diploma de músico; portanto, com baixa idade terá ainda todo o tempo do mundo para se dedicar e se focar em seus interesses. No entanto, talvez, já agora, seja esse o seu marco principal, o de enxergar a realidade com olhos de quem se sabe inserido e não com os olhos de quem tenha de juntar coisas para se sentir inserido. Não quer ter uma vida na qual misture compromissos inadiáveis, pílulas para dormir, outras para acordar e se sinta, ao fim e ao cabo, infeliz e depressivo. Miguel sorri um sorriso amplo, franco, desmedido, mas também é capaz de se aborrecer muito facilmente quando situações antagônicas lhe são propostas. E quando se aborrece, faz questão de demonstrar o que pensa. 

Às vezes, olhando meu filho e conversando com ele, penso que, em verdade, ele nos ensina muitas coisas, dentro do que conhece e de suas experiências. Como ser dedicado ao que elegeu, como ser honesto em suas convicções e como não querer se expor em um mundo de conveniências e de altíssima competitividade social, talvez sejam apenas algo do que aprender. 

Tenho três filhos. 

Matheus, o atual, o da geração blz, aquele que não nasceu, mas que (quase) foi o produto de um download, tem apenas nove, mas todas as esperanças, todos os sorrisos, todos os amuos, todas as descobertas, todas as perguntas, todas as novidades do mundo, que cabem dentro de um corpo e de uma mente para os quais o mundo da informática e da comunicação interativa são tão comuns e habituais como trocar de roupa.

Matheus tem um grande nível de informação, mas também tem infância, o que significa andar de skate, ficar horas conversando com seu amigo Pedro, ir para o parque, ler, ir à escola (meninas, nessa fase, nem pensar!, pois são umas chatas!, como todo mundo sabe…).

Afora a escola, tem aula de taekwendo e de inglês, e a sua vida se mistura com às dos heróis, dos games, das eternas e constantes novidades (você sabia que kauai, em japones quer dizer legal, no mesmo sentido de cool, em inglês? Não? pois tenha um menino Matheus e você saberá).

Ele tem todo o conhecimento para aprender, tem toda uma amplitude para descobrir, todos os caminhos para trilhar, e para nós, pais, resta a sabedoria de Khalil Gibran: temos de nos lembrar que filhos são flechas disparadas para o futuro e que pais são os arcos que os tensionam e lhes dão um caminho de valores a serem respeitados.

O mundo de Matheus é um mundo de histórias, nem sempre completas, e um mundo inquieto, porque é uma circunstância de sua época.

Matheus, de modo geral, lembra um pouco o menino maluquinho, do Ziraldo. Que bom que é assim e que bom que possamos crescer junto a ele e às suas cotidianas invenções!   

Tenho três filhos. 

Diferentes entre si, com quase dez anos de diferença entre eles, Miguel, Gabriel e Matheus, três gerações distintas, três cabeças, três corpos e três caminhos. Que Deus me oriente de modo a preservá-los com seus valores e suas educações, e que eu possa servir-lhes, antes de tudo, de exemplo e de honradez. Afinal, no fundo, continuo sendo um baby boomer. Já não tão convicto, mas dentro das circunstâncias, ainda alguém do século passado. 

Amo a todos e agradeço a Deus por me permitir estar tão próximo dos três. Um dia, serei lembrança. Que, quando isso acontecer, eles possam ter belas lembranças, e terei conquistado o que, para mim, é o mais valioso. 

Beijos, 

hILTON

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