Burrice e/ou ignorância. Ou seria o contrário?


estupidez / stupidity por mareaneus

Fonte: http://www.flickr.com/search/?z=e&w=all&q=estupidez&m=text

 

Ignora quem desconhece algo; logo, somos ignorantes em relação àquilo que não aprendemos. Por outro lado, a ignorância só pode ser revertido graças ao processo de aprendizagem. Muitas vezes confundimos conceitos: se uma pessoa não estudou em uma escola, ou universidade, ou faculdade, ela é ignorante em relação àquilo que possivelmente teria aprendido se na escola, universidade ou faculdade tivesse estudado, e só.  Simples assim.  Uma pessoa pode ser educada, mas igualmente pode ser cínica e arrogante. Portanto, temos de revisar conceitos.

Já alguém pode ter algumas dificuldades cognitivas, o que não é, em princípio nenhum demérito. Significa, em suma, que o processo de aprendizagem em relação àquela pessoa não está alcançando seus objetivos ou que ela tenha algumas situações psico sociais que dificultem ou mesmo impeçam tal aprendizagem no ritmo estabelecido, de antemão, pela escola. De todo modo, em princípio, tudo passível de estudos, de flexibilidade, de adaptação.

Muitas vezes a ignorância é confundida com a arrogância; suas naturezas, contudo, são distintas. A arrogância é presunção, insolência, segundo The Free Dictionary (http://pt.thefreedictionary.com/arrog%C3%A2ncia); soberbo, altivo, orgulhoso, insolente, pretencioso, atrevido, de acordo com o dicionário online de português (http://www.dicio.com.br/arrogante/asa). A ignorância, contudo, é  a falta geral de conhecimento, de saber, de instrução, o estado de quem ignora (http://www.dicio.com.br/ignorancia/).  Não raro a prepotência arrogante é confundida com a ignorância; na verdade a abriga inúmeras vezes. O arrogante, normalmente, tem um comportamento agressivo, por lhe faltar, muitas vezes, o conhecimento, as condições reais de argumentação qualificada exigidas, por exemplo, em uma situação na qual seja necessário o convencimento de terceiros. Esconde, assim, o não-conhecimento. A ignorância, embora possa encastelar-se de maneira razoavelmente confortável na arrogância, com a mesma não se confunde; antes, a última é útil à primeira.

Nos meios denominados cultos, com acesso ao saber, se nota isso claramente; há doutos, mestres, especialistas e professores extremamente arrogantes. Aqui, a mesma funciona como um divisor social, algo que está dizendo: “eu sei mais do que você, portanto, sou superior à você”. Premissa discutível, conclusão sem sentido. A arrogância é uma doença social, endêmica, com o apetite de um divisor territorial. “Não me incomode”, diria o pretencioso insolente, “minha graduação e meu conhecimento são superiores, são maiores que os seus.” Argumento de fantoche, pura desinteligência cognitiva e social a retroalimentar um sistema de castas e de tristes e duvidosas exclusividades que insuflam egos e fomentam distanciamentos de todo indesejáveis. Contrário da solidariedade, contrário da aprendizagem, a arrogância se subsume a ela própria. Assim, de tal maneira e por isso a arrogância não é privativa da ignorância, mas pode ser localizada entre aqueles que, por circunstâncias variadas, tiveram maior acesso e oportunidades dentro de uma sociedade pautada pela aparência e pela hipocrisia.

A burrice, contudo, não é a ignorância, mas, sim, um simulacro, uma estupidez com uma aparência pretensamente educada. Novamente o dicionário esclarece: burrice é estupidez, besteira, asneira, burrada, casmurrice, amuo, teimosia (http://www.dicio.com.br/burrice/).  A burrice é nutrida pela indolência, pela teimosia, pela preguiça, ao qual se adicionará, a resistência a sair da área de conforto cognitivo. A burrice é paralisante, de tal modo que não poucas vezes é confundida com a autonegligência. A pessoa se habitua à sua burrice porque aceitou passivamente o estigma do qual é partícipe. Assim, quem se entende burro, assim se entende por assumir sua passividade, embora, inegavelmente, isso atinja sua auto-estima. Esse incomodo, contudo, ainda não é suficiente para retirá-la da sua zona de conforto e pô-la em processo de aprendizagem, enfim, movê-la em direção a um objetivo pessoal ou social. Toda aprendizagem implica em um movimento, em um vir-a-conhecer, em um desafio que confronta a inação mental e física.

Há, portanto, de distinguir-se esses três eixos, confundidos no cotidiano. Ignorância, burrice e arrogância são três infelicitações que  mais não fazem do que interferir negativamente no processo de aprendizagem, no relacionamento social e no acesso aos meios de cultura.  Confrontamos com os mesmos todo o dia, no fazer pedagógico, nas relações que o currículo oculto revela mas que fazemos, por comodidade, questão de ignorar.  Desconfio fortemente que quando não nos envolvemos na discussão sincera e aberta com o aluno de tais conceitos, somos mais do que burros, ignorantes e arrogantes: talvez uma mistura dos três, mas especialmente somos não-solidários e omissos. Pequenos pecados do dia-a-dia? Não, absolutamente: a omissão, o descaso igualmente viciam, trazendo como primeira vítima a autenticidade, o falar com propriedade. Talvez por aí possamos compreender melhor o que significa a crise de autoridade que vivenciamos, a carência de líderes e a inconsistência de nossos argumentos. Pensar em tais fatos pode nos levar a concretizar decisões que gravitam em uma densidade e uma tensão da qual queremos, confortavelmente, fugir.

Admitamos: somos todos um pouco burros, um pouco ignorantes, um pouco arrogantes. Mas tem gente que é bem mais. Não nos coformemos, contudo; embora a pós-modernidade pregue em tudo o individualismo, resistamos e banquemos La Passionaria. O mundo, de modo geral, agradece.

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