Objetos, mudanças e rios a atravessar


Hoje, 27 de dezembro de 2012, a empresa Papaléguas veio até nosso apartamento para carregar os itens de mudança para Fortaleza, Ceará. Foram dezenas de caixas catalogadas, rotuladas, inventariadas, anotadas com cuidado. Contrato firmado, nos resta a viagem. Tudo contabilizado e inventariado, enquanto assistia e ajudava na organização, pensei como foi possível, em doze anos, juntar tudo o que iria para a estrada. Pior, como o tempo nos dá a impressão de passar tão rápido? Cada item, cada objeto tão cuidadosamente acomodado te recorda a própria história, agora toda condensada. Doze anos de convivência, dois filhos agora, dois do casamento anterior, prazeres, ilusões, esperas, angústias, mágoas, tristezas, ímpetos, arrefecimentos, mal entendidos, risos, choros, alegrias, sexo, incertezas, conquistas, companheirismo, discussões – algumas mais sérias, outras não – sonhos, projetos, bens, erros, acertos e lá está indo uma boa parte da minha história em cada um desses itens. Tudo ali, como um arquivo de memórias, como um compartilhamento possível.

Não importa o valor monetário agregado aos itens, mas sim o que eles representaram em cada instante da minha vida, e muitos ainda irão me acompanhar, como insensíveis utensílios, objetos, coisas irão igualmente cruzar o Brasil do sul ao nordeste mas serão o que são, diferente das minhas memórias, dos meus vôos, de minhas novas histórias,  das possibilidades em aberto. Para aprender é necessário, imprescindível lançar-se, abrir mão, cruzar os rios e arriscar-se, sair metaforicamente da casa dos pais. Quem não o faz corre o risco de ser menino em forma de homem, Peter Pan para sempre. Não sair é não completar a transição, homem ainda incompleto, projeto talvez tímido do que poderá ou poderia vir a ser, ensina o mestre Ferres. Ser o que ainda não somos e buscar ser o que não mais é história, mas atualidade.

Assim viajamos todos para Fortaleza, Ceará, eu e os itens mas em meu desejo sou a clara, real e maravilhosa experiência de quem salta e se lança ao rio, sem boias, confiando em seu próprio corpo, em seus músculos, para ser, no mínimo, nadador.

De compromissos, bretes e realidades.


Passei uma boa parte, aliás toda a minha vida, tomando decisões baseadas no que entendia que era o correto, o que deveria ser feito em dado momento. A famosa voz da consciência, a distinção entre o que é melhor e pior. O que gostaria de ser feito e o que era necessário ser feito. Com isso obtive bons amigos, pessoas que me respeitam e me querem pelo que sou e não pelo que tenho ou possa vir a ter. Fiz muitas tolices, me arrependi centenas de vezes, assumi vários compromissos financeiros, paguei a todos e tenho um relativo sucesso na profissão que escolhi, a de educador. Sou razoavelmente inteligente, tenho um perfil conservador em relação aos meus gastos e não caio facilmente no canto de sereia do consumismo desbragado e alienante. Gosto de conversar com pessoas que possuem uma visão de mundo mais larga, menos prosaica, menos rasa –  até para poupar-me de discussões inúteis e palavras de ordem que mais manietam do que promovem a pluralidade de entendimento. Gosto de ler, de pessoas bonitas no sentido mais amplo da palavra e que tenham bom humor. Peças de  arte. Se vivesse na idade média, talvez quisesse ser um ourives, ou um artista, quem sabe. Gosto de vidas artesanais, construídas como catedrais góticas. Não sou um homem que se define como culto, no sentido acadêmico da palavra, mas tenho um certo grau razoável de entendimento dos fatos do mundo.

Acontece que tudo isso, e além das bobagens que cometi até meus atuais 58 anos (em setembro faço 59) tem um preço e às vezes o mesmo é alto demais. Esse preço se chama cobrança e, por vezes, falta de reconhecimento. Se você assume compromissos, sejam financeiros ou não, os deveres da cobrança os acompanham. Se tais compromissos forem financeiros, isso se quita e pronto – c’est fini, mas se forem sociais, isso acaba virando um motuum perpetuum. Às vezes me vem uma vontade enorme de esquecer tudo, puramente vagar como um ponto qualquer solto no espaço, mas sempre haverá um elástico, uma corda, um aviso ali na estrada que dirá que você está em uma rota desviante, enfim, que o brete o espera.

Até o momento não descobri o que cobra mais, se a vida desbragada ou se a vida mais regrada. No primeiro caso, contudo, ninguém vai esperar nada de você o que, na maior parte das circunstâncias até pode ter seu atrativo. O problema é que aí você manda sua própria auto estima às favas e é difícil recuperar, nesses casos, o que já se foi, como areia fina escorrendo entre seus dedos. Se você, ao contrário, buscar sempre sua consciência moral, haverá uma clara submissão. Grosso modo, são duas alternativas que também podem ser confundidas com duas armadilhas, dois modos distintos de viver a submissão.

As regras sociais são impositivas e sempre irão buscar que você pense e aja do modo que os demais querem que você viva, pois todos vêem nos outros as projeções do que gostariam de ser, do que desejariam ou, contrariamente, do que detestam. É claro que são necessárias janelas psicológicas para que você respire de modo mais confortável, certas aberturas justificáveis do ponto de vista humano e social. O que para uns é alívio, para outros é perversão. De todo modo, nada pára e hoje há um movimento pós-moderno de tão somente seguir. Ver a respeito Bauman. Se algo pode minorar o peso de tudo é o caráter, mas este, hoje em dia não é exatamente o motor que impulsiona o barco e menos ainda uma espécie redentora de way of life.

Talvez o pior seja a questão da auto imagem. Há um determinado instante em que você já tem alguma experiência, já possui uma certa tonicidade social, já viveu algumas situações significativas, então pensa que isso conta e muito, que pode referenciar relações a partir daí e esse é o momento crucial em que você tem “certeza” de que a sua palavra, que o seu discurso e o que você faz são suficientes qualificativos de reconhecimento, mas isso igualmente é mera ilusão. Quando você pensa que vai receber um reconhecimento de per si, as cobranças irão aderir e os ouvidos dos outros, mesmo de seus pares, passam a ser os de mercadores. Aí você se sente como alguém que não se faz entender; é o instante, mais ou menos prolongado, de você querer ser um canalha, sentir a doce sensação de ser um off road, de fazer apenas o que deseja, de agir da maneira menos comprometida possível. Mas aí o elástico do bom-mocismo te enlaça e puxa firmemente. Na realidade você não aprendeu a agir como um bad boy, você não sabe se movimentar em tais mares tormentosos e, confrangido, com um sorriso de esguelha percebe que sua própria história já definiu o que você, em todas as circunstâncias, foi e será.

Um caminho para ontem


O passado nos conduz, porque a mais importante função mental que nos liga às múltiplas realidades que conhecemos, é a memória. Retirem nossa memória e não saberemos quem somos, perdemos nossa identidade, nosso sentido e nossas referências. Deixamos de ser quando não nos lembramos mais do que somos, do que fomos. Sem memória, o que nos restará? Rostos desconhecidos, desconhecimentos desde nossa família até as coisas mais rudimentares – o que é fogão? o que é uma faca e um garfo, para que servem? quem é esse que me beija sem que eu o conheça, quem é aquele que me cumprimenta quando não sei quem é, que faço aqui, se aqui não é o lugar que eu possa me reencontrar?

O drama da perda da memória é o drama do vazio, da desconexão, do desconhecimento, do que jamais será compartilhado, porque, perdido no mundo e nas minhas instâncias não reconheço mais sequer quem eu sou. O mundo, como existe, é um produto mental, é uma extensão do nosso corpo. Somos seres encarnados, e assim, com base em nossas projeções mentais, imaginamos o mundo como o pensamos, entendemos e vemos.

Criamos e recriamos convenções a partir dos nossos corpos, e lhes damos cor, simbolismos, realidades. Como imaginaria o mundo um físico quântico? Como o repensaria? Direita, esquerda, frente, fundos, determinar se um copo pela metade está metade cheio ou metade vazio, as educações, as sociedades, os sistemas que engendramos são projeções de nossos corpos. Os apêndices que criamos, as tecnologias, tudo isso está sendo reconstruído todos os dias a partir de nossas memórias e das nossas visões de como o mundo se comporta. Esse mundo, contudo, é igualmente um produto mental.

No entanto muitos sempre pensam em olhar para a frente, como se o passado e a memória pudesse ser descartada como um pedaço de pano usado que se joga ao lixo. Tolice. O passado, esse sim, é teu guia. É ele que informa quem você é, como se constituiu até aqui, o que pensa, quem são as pessoas que lhe são caras ou não. As passagens, os desvãos, os comportamentos, suas alterações e retificações, tudo se contém na memória. Talvez por isso, queiramos ou não, fazemos um eterno caminho para ontem.

 

hILTON bESNOS

Homenagem ao Dia Internacional da Mulher


Brigitte Bardot. Atriz francesa. MM. Marie Skłodowska-Curie. Física e química polonesa. Coco Chanel. Estilista francesa. Maria Esther Bueno. Tenista brasileira, vencedora de 19 Torneios Gran Slam. Amelia Earhart. Americana e primeira aviadora a atravessar o Oceano Atlântico sozinha. Tereza de Marzo. Primeira brasileira a pilotar um avião. Rachel de Queiroz. Primeira romancista a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Dilma Rousseff. Primeira presidenta eleita do Brasil. Simone de Beauvoir. Filósofa existencialista e feminista. Francesa.Vênus. Deusa do amor na mitologia romana. Maria Bonita. Primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. Indira Gandhi. Primeira ministra da Índia. Angela Merkel. Chanceler alemã. Eunice Michilis. Primeira senadora do Brasil. Madre Tereza de Calcutá. Missionária católica. Mata Hari. Dançarina acusada de espionagem na primeira guerra mundial. Eva. Primeira mulher bíblica. Edith Piaf. Cantora francesa. Tizuka Yamasaki. Cineasta e produtora cultural brasileira. Bessie Smith. Cantora de blues. Golda Meir. Primeira ministra de Israel.

O dia em que houver igualdade real, e não nominal, não será tão necessário lembrar o dia da mulher,como se deixássemos de ser hipócritas, medíocres, sexistas por causa disso.

Mesmo assim, há muito a comemorar, a partir do fato de que, talvez não todas, mas a uma parcela razoável de mulheres, é dado o privilégio da escolha, o que, infelizmente na maior parte da História, não lhes foi permitido.

As eventuais dissimulações são, igualmente, produto de tais arbitrariedades, muitas vezes apostas sob outros nomes e pretensões.

Mas, contudo, mesmo que haja pedras no caminho, comemoremos. Grande abraço a todas!

Sou um Besnos da diáspora


SOU UM BESNOS DA DIÁSPORA

Sou um Besnos, brasileiro de nascimento e judeu de ascendência russo-lituana, pelo que acumulo histórias de meus antecedentes de migrações, de partidas, de fugas, de provisoriedade. Dou graças por viver no Brasil, país multiétnico que foi criado e se recria diariamente graças às influências dos que aqui aportaram.

Na primeira guerra mundial, meu padrinho nasceu em um cemitério tchecolosváquio, pois seus pais fugiam de soldados alemães; no entanto, estando a Tchecoslováquia sob o domínio da Alemanha, em sua carteira de identidade constava a nacionalidade alemã.  Seus olhos azuis, pele clara e constituição física faziam com que, já no Brasil, fosse confundido com um judeu entre os alemães e um alemão entre os judeus.  Embora fosse absolutamente contrário ao nazi fascismo e participasse ativamente de passeatas e movimentos contrários ao integralismo, não foram raras as vezes que se incomodou com tal confusão havida em relação à sua aparência.

É, se você não sabe ao que estou me referindo, vale dizer que os integralistas de Plínio Salgado buscavam cada vez mais obter influência política, contando com o beneplácito e a conveniência do regime getulista, o mesmo que mandou Olga Benário grávida para a morte nos campos de concentração nazistas, como uma espécie de presente a Hitler, pela ligação que a mesma tinha com Prestes. Pois meus queridos eventuais leitores, para quem a História é desconhecida, os integralistas faziam passeatas em vários pontos em Porto Alegre, inclusive na Oswaldo Aranha, bairro que os judeus locais consagraram. Contra eles, lá estava Benjamim, meu amado padrinho.

Esta é apenas uma das histórias reais que se entrelaçam e formam uma rede de vivências, desafios e que são contadas por pessoas comuns, que se dedicaram à liberdade contra regimes opressivos e ditatoriais. Alguém se lembra do DIP? É só pesquisar, a net está aí para isso.

Meu bisavô paterno nasceu na Lituânia, meu avô na Rússia, mas há passagens pela Bielorrússia; em tais paragens, seu nome era Vladimir . Em terras tropicais, pelos comuns problemas de linguagem e pela dificuldade que o mesmo tinha de lidar com o português, ingressou no país como Valdemar. Outro avô, por parte materna, Bernardo, veio ser alfaiate em Porto Alegre, onde se estabeleceu, depois de ter passado e vivido no Rio de Janeiro, em São Paulo, e em Santa Maria. Uma de minhas avós trabalhou em Buenos Ayres. As histórias são muitas, e não são mitos, como poderíamos pensar.

Peregrinos todos, meus ascendentes falavam o iídiche, língua semítica na qual foram acrescidas importantes contribuições do século XII D.C.. Essa barreira inicial, a da língua, fez com que semelhantes, em termos culturais, religiosos e étnicos procurassem os seus, fazendo com que italianos se fixassem na serra gaúcha, alemães a partir do Vale dos Sinos e locais bastante marcados dentro do Rio Grande do Sul, e assim por diante, sem esquecermos os negros, que aqui já estavam trabalhando como escravos e sendo mandados como soldados a lutar na Revolução Farroupilha ou por simples imposição ou pela esperança de serem libertos, caso saíssem vivos.

Os judeus financiaram as viagens de Colombo e foram empurrados para o comércio quandoa atividade – considerada indigna para um cristão –  foi inserida, junto com outras arbitrariedades típicas da idade média no índex católico. Meus antepassados então eram vendedores e mercadores, não porque especialmente lhes agradasse tais atividades, mas porque, às mesmas, tinham se habituado por forças que combinavam oportunidades, necessidades, circunstâncias e pressões políticas. Errantes, nômades, flutuantes, os conceitos locais de pátria e de casa eram estranhos, exógenos e não podiam ser totalmente entendidos e especialmente aplicados a um povo cuja história nômade tão-só mudava de cenário e de imposições sociais, religiosas, políticas e econômicas.

A Inquisição os pressionava à conversão ao catolicismo dominante, especialmente na Espanha, o que originou os judeus marranos que, uma vez tendo passado por todas as provas de assimilação greco-romana e católica continuavam, de modo oculto a rezar o Schma Israel e a  celebrar o Shabat, de modo oculto, em suas casas.

As restrições religiosas, a habitualidade dos pogroms europeus e russos, as várias expulsões, as circulações pelo mundo e seus continentes, que prepararam o terreno para o Schoah eram indicadores claros de que os judeus haviam sido escolhidos historicamente para peregrinar e que mesmo a concretização do Estado de Israel em 1948 não seria capaz de extinguir a Diáspora Judaica, que basicamente é o espalhamento dos judeus pelo mundo. Em Porto Alegre, nós, judeus éramos, durante certa época, chamados carinhosamente de pardais. Só mais tarde, descobriria o motivo: os pardais tem uma alta valência ecológica, o que faz com que vivam em praticamente todos os continentes e se adaptem muito bem às cidades.

O que também a História demonstrou foi que tínhamos de obrigatoriamente ter um foco, uma identidade – os publicitários diriam uma brand – universal, não por ser moeda de troca, mas garante das nossas próprias culturas, tão díspares, mas sempre monoteístas; algo que nos apresentasse e principalmente nos representasse, para que pudéssemos, enquanto povo e comunidade,  compor o mosaico agregador entre necessidades, oportunidades, circunstâncias e política. Tal mosaico não poderia dispensar a memória tribal e a tradição ética e religiosa. Em algum ponto de sua história, os judeus intuíram que para que tantos fatores pudessem ser integrados, havia uma saudável obsessão a ser seguida: o conhecimento.

A partir de tal abençoada convicção, desde os primórdios, e além do comércio e da mercancia, surgiu os judeus professores, arquitetos, médicos, religiosos, cientistas, pesquisadores, escritores, administradores, políticos partidários, artistas, produtores de arte, matemáticos, músicos, publicitários, ligados às culturas locais e internacionais. Uma tribo, enfim, de indagadores, de um modus vivendii peculiar, onde mesmo a simples e pura assimilação  não podia abortar a Lei primeira do monoteísmo judaico e a tradição de peregrinar e estudar. Em tudo e por tudo o conhecimento sempre foi o principal passaporte para as sucessivas mudanças pelas quais flutuavam os judeus entre os influxos políticos e as aberrações odiosas. Passamos a ser conhecidos, então, como o Povo Escolhido, o que é sempre uma verdade relativa, pois nós, Seu Povo, O escolhemos de modo singular, único e definitivo, conforme diz a Lei:

SHMA ISRAEL ADONAI ELOHEINU ADONAI ECHAD,

ESCUTA ISRAEL O SENHOR É NOSSO DEUS, O SENHOR É UM.

Nossos sábios, contudo, nos dizem que a Lei ensina: “não faças aos outros o que não farias contigo mesmo”, e talvez esse seja um dos motivos que não nos faz sermos proselitistas. Afinal, somos todos seres humanos portadores da capacidade de transcendência, de ódios, de enganos mentais e portadores de uma miríade de ilusões, crenças, diferenças, de sermos ou não fiéis, corajosos, indignos, e por aí nos definimos ou, talvez, nos deixemos definir.

Além de sermos o Povo Escolhido, também aos judeus foi atribuído o honroso título de O Povo do Livro, aqui não pelo sentido religioso; nesse sentido não somos o povo da Bíblia, mas aquele que busca o conhecimento, a leitura, o que pode ser interpretado metaforicamente como o povo que busca conhecer, aprender e, sem dúvida, compartilhar o que dialeticamente está posto. Sabemos, portanto, que continuamos nômades, que os casamentos judaicos são consagrados abaixo de uma hupá, para que nos lembremos de que descendemos de tribos que construíram uma história a partir dos deslocamentos contínuos, das defesas de territórios, das ilusões de termos uma Jerusalém de Ouro. Em tais condições, bens materiais são apenas moedas de troca, são ilusões efêmeras, bolhas de sabão que explodem no ar, mas, com qualquer outra coisa na qual possamos pensar, também são garantes poderosos na hora em que formos novamente obrigados a trocar de lugar, peregrinos que somos.

Não somos melhores, não somos piores, somos seres em constante contradição em relação ao que quer que pensemos. Aliás, o humor judaico nos ensina isso claramente. Um judeu só é um judeu só, dois uma eterna interrogação e três infinitos pontos de vista. “Por que vocês, judeus, respondem uma pergunta com outra?” “Porque não?” seria a resposta.

Faço parte do povo que acredita piamente que quem salva uma vida salva a humanidade, que quem acende uma vela afugenta a escuridão. Peregrino, sou um Besnos descendente direto das tribos de Judá e de Israel.

Dá o troco aí, meu!


Dá o troco aí, meu !

Publicado sob autorização do blog https://sabordigital.wordpress.com/2012/12/07/da-o-troco-ai-meu/#comment-326

 

José da Silva Pessoa

 

É só a gente andar por essa cidade de São Paulo para perceber o quanto estamos distantes de ser um país preparado para nossas responsabilidades. A condição de cidadão é algo desconhecido para certas pessoas. É só ver no seu trabalho, no seu prédio, num restaurante e até mesmo dentro de um ônibus. Senão vejamos, aquele ser que ocupa um lugar de destaque no meio do coletivo, sentado em sua nobre cadeira com uma cortininha por detrás, chamado de cobrador…enfim, aquele sujeito que possui o ofício de ver pessoas passando com seus bilhetes eletrônicos, nas catracas eletrônicas, e que fica com cara de “quadro de sala que retrata uma paisagem caipira”. Em vários anos de uso de transporte público, tanto para trabalho como passeio, nunca vi senão somente um, eu disse somente um, desses referidos expoentes da amabilidade serem solícitos com quem pede apenas uma informação. E claro, quem pede informação não sabe do que está perguntando, óbvio. Então, esse ser iluminado por essência, sequer olha para seu inquiridor e vomita de cabeça baixa ou olhando para o infinito descaso, falando bem baixinho: no szdruvis ponto, isso mesmo numa língua que requer um decodificador. Mas hoje foi um dia em que não me contive. Eram três pessoas que queriam pegar o metrô linha azul. E o meu Mercedes estava por passar, no próximo ponto, pela entrada da Estação São Bento. Essas pessoas não conseguiram ouvir o que o dito-cujo disse, erradamente, inclusive, mandando os três para a Estação da Luz. Tive um acesso de fúria e expliquei em voz alta o itinerário correto aos perguntadores, que sorrindo agradeceram. Pensem meus queridos leitores, leitoras, GLBT’s  e, especialmente minha querida leitora Ana Cristina. De que forma estaremos atendendo as pessoas que virão nos visitar na copa do mundo e nas olimpíadas? Nos países mais civilizados as pessoas costumam andar de ônibus e metrô como forma de locomoverem-se com mais eficiência. Mas e quando estiverem aqui e tiverem, por exemplo, de ir para o periférico Itaquerão? Vão perguntar para tipos como esse com que me deparei hoje? Que pena. A falta de educação que vem sendo perpetuada por décadas desenvolveu personagens bizarros assim. Gente rústica, sem elam social, parecendo bichos do mato, rosnando. E segure no ferro, senão o chão é o destino. Próxima parada…sabe lá Deus.

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p.s.: desculpem me os improváveis cobradores que porventura leiam este singelo texto, mas acho que seria bom vocês voltarem para seu habitat natural…logo.

A rede da morte em Santa Maria, RS, BR


Depois do infortúnio, buscam-se os culpados. No caso do incêndio da Boate Kiss, que levou à morte 231 jovens, o Prefeito de Santa Maria,  Sr. César Schirmer disse, em entrevista concedida para a j. Sandra Annemberg, da Rede Globo e para quem mais  quisesse ouvir, que não poderia opinar sobre a segurança da boate, que tinha apenas uma porta, que servia de entrada e de saída concomitantemente, porque esse “era um assunto técnico”. Trata-se de uma opinião canalha, temerária e oportunista. Melhor entrevistar uma enguia.

Foram presos integrantes da banda não-me-importa-qual e também um ou dois dirigentes da boate. Ninguém prendeu, contudo, o Sr. Prefeito, a quem cabe, no papel de gestor fiscalizar as casas/locais de entretenimento, cobrando a segurança devida, nem o Impávido Sr. Chefe do Corpo de Bombeiros, para quem cabia o papel de liberar alvarás para que tais eventos ocorressem. Apenas ambos fizeram o papel de comoção habitual, enquanto as famílias rezavam seus mortos, esmagadora maioria de jovens universitários, especialmente da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

Ora, Santa Maria é reconhecidamente um pólo cultural e educacional situado na região central do Rio Grande do Sul, com uma vasta circulação de jovens que provêm dos mais distantes locais, inclusive do exterior. Então isso nunca foi novidade, bem como a habitual inação e irresponsabilidade dos gestores públicos quando se trata de fiscalizar o que faz parte do dia comum dos cidadãos. É para isso que existe o poder de polícia da administração pública, instrumento legal que possibilita a interdição de estabelecimentos, seja de que origem  forem que não estejam cumprindo as normas públicas de segurança. O poder de polícia é o que o IBAMA, por exemplo, tem para fechar serrarias clandestinas nos confins do Brasil, que a INFRAERO possui para interditar aeroportos, e assim por diante, só para citar dois exemplos.

No caso de Santa Maria, justo por ter as características de tamanha flutuação de população jovem, nos parece ainda mais adequado que houvesse uma legislação específica para tratar de assuntos de regulamentação e segurança de casas de entretenimento, boates, etc, pois jovens querem, normalmente, ter um trabalho, viver, divertir-se e confraternizar. Não sei o que a Câmara de Vereadores de Santa Maria pensa a respeito do assunto ou se legisla a respeito do tema; o que sei é que tudo isso configura uma rede, mas não uma rede de acasos, de pesares pelo que aconteceu, de luto pelo que se chama de infortúnios do destino. Não. O que aconteceu em Santa Maria foi uma rede de irresponsabilidade, uma rede de morte programada. Isso iria acontecer em qualquer momento. A fatalidade foi ter ocorrido em Santa Maria, mas poderia ter ocorrido em qualquer lugar. Mas parece que ali, em meio ao desespero e à fumaça, a armadilha, a jaula de fogo mortal foi construída sistematicamente, uma vez que, para muitos, nada se compara ao dinheiro. Vejamos:

1) o conjunto não-me-interessa-qual resolve fazer um show pirotécnico em um ambiente fechado com apenas uma porta de saída, com superlotação e com as pessoas interessadas em se divertir, portanto relaxadas e embaladas por um clima que deveria ser, em tudo e por tudo, festivo. Me parece razoável que qualquer imbecil sabe que isso não poderia acontecer. Pois aconteceu.

2) Pela planta baixa da boate, o que acontecia em uma de suas áreas não poderia ser visto por quem estivesse em outra área. Ou seja, não havia sequer uma visão geral do ambiente onde a festa acontecia. Talvez por isso os seguranças não entendessem o que estava ocorrendo e tivessem também participado de modo estúpido ao impedir que pessoas aterradas pelo pânico não saíssem da boate sem apresentar a comanda paga.

3) os donos da boate sabiam que haveria superlotação, que haveria show pirotécnico, conheciam a própria boate e tinham absoluta consciência de que não havia possibilidade real que as pessoas participantes pudessem se evadir em meio ao pânico.

4) O poder público, por outro lado, parece que não estava nem aí para o que poderia ocorrer, com uma omissão criminosa.

Hoje o Rio Grande do Sul morre um pouco com o que ocorreu em Santa Maria. Passamos uma carta ao mundo de nossa gestão fracassada, pelo menos em relação ao que ora expomos, e simplemente não adianta dizer para uma mãe, um pai, um irmão, uma irmã, um tio, dizermos para uma família que o futuro de seu filho morreu por um infortúnio, por um capricho cruel do destino. O destino, na verdade, não tem nada a ver com isso. Os humanos irresponsáveis, assassinos, sedentos pelo lucro, sim. Que eles possam,até as suas mortes, sentir o gosto do sangue dos mortos em cada uma de suas noites amaldiçoadas.

O nome do prefeito de Santa Maria é César Schirmer e não Gerson Schirmer, como escrevi. Obrigado aos leitores, estou retificando. 30/01/2013. hILTON.

Amizades, perguntas e, por vezes, respostas


* Dec. 17th,2012 at 00:56

* A via de conseguirmos um caminho melhor é perguntar. Simples assim. No entanto, o complicador é que devemos saber o que perguntar e, especialmente, para quem perguntarmos. E mais, devemos seguir o que nosso eleito nos diz, o que não significa temos certeza absoluta da resposta, mas é o que mais se aproximaria do que perguntamos. Muito tempo jogamos fora com banalidades, de temas redundantes, de bobagens das quais nós mesmos sabemos as respostas, e se o fizemos é simplesmente para nos divertirmos, para escutar o óbvio (que Nelson Rodrigues chamaria de o óbvio ululante) e para glozarmos nossos pontos de vista. Aí, em tais circunstâncias, vividas no plano do descartável, admitimos e mesmo incentivamos que todos opinem, sendo ou não chamados à conversa, o que nos lota os ouvidos de lugares-comuns. Nesses casos, os palpiteiros de plantão dizem o que bem entendem e a gente suporta. Ponto.

Quando o assunto, no entanto nos é relevante, são poucas as pessoas para quem podemos perguntar algo e obter uma resposta razoável. Diria mais: que só temos amigos verdadeiros quando podemos lhes perguntar o que nos é realmente sensível, quando podemos nos desnudar. Isso é bem mais complicado, pois quando o fazemos, abrimos guarda, mostramos realmente uma parte do que somos, revelamos o que, em outras circunstâncias, não faríamos. Assim, temos nossa diminuta lista de amigos. Os mesmos, aqui, independem de aspectos sociais ou profissionais. O paradoxal nesta história é que ou nos revelamos a quem é verdadeiramente amigo ou a quem é um desconhecido total. De nenhum dos dois tememos: um pelo laço, pelo vínculo, pela estreita relação e o outro justamente pelo contrário, contando com a esperança de que jamais o vejamos novamente. Uma passagem, uma conversa, um zás!

E assim vivemos nós, de buscarmos e de sermos buscados. O que se nota é que as verdadeiras amizades são cada vez mais raras, mais preciosas justo por isso. A amizade que não é casual, que não é meramente profissional, que não é feita por interesse ou por vaidade, perdura. É indispensável que amigos colecionem certas indiscrições, certas confissões que somente aos mesmos diríamos. Certa vez li algo muito interessante, que existem três níveis de vida, a pública, que todos sabem e conhecem e que faz parte dos nossos interesses mais comuns, abertos, verticalizados, lineares; a privada, que poucos conhecem, somente aqueles a quem permitimos conhecerem, e a secreta, aquela que escondemos, muitas vezes de nós mesmos, por não querermos enfrentar as suas consequências ou por não poder suportar a opinião de terceiros. A amizade verdadeira reside justamente na vida privada; o demais, pertence aos psicanalistas, aos médicos, aos advogados ou com quem tenhamos o rabo preso, de tal forma que, se revelada, levaria à reprovação pública não somente nós mesmos mas com quem compartimos tal situação.

De todo, todos são bem vindos, de modo a que, mutatis mutandis, possamos estabelecer, dentro da indefectível margem de erro, o que faremos. Erremos, pois, não no sentido comum que se dá ao vocábulo, mas o que implica, de certo modo, em errar, navegar, buscar o caminho. Talvez, aqui, o que mais devamos ter cuidado é com nossa própria avaliação, não apenas do outro a quem recorremos mas, especialmente de nós mesmos. HILTON BESNOS.

Branca de Neve e seus seguidores


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Quoted from: JUST_MONK3Y

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Depois de todo aquele stress que conhecemos desde a mais tenra idade, o Príncipe se aproxima da Branca de Neve e, lentamente, lhe dá um beijo de amor. No entanto, Branca de Neve está em um estado de letargia invencível, provocado por uma maçã envenenado. O que o Príncipe vê, portanto, é uma bela mulher deitada em meio a sete anões que a pranteiam desconsoladamente, como se o mundo terminasse ali. Mesmo diante daquela cena que deriva entre o exótico e o escatológico, o Príncipe, como todo Príncipe não perde a pose. Aliás, os Príncipes têm algumas características, além de serem todos lindos: jamais perdem o prumo das coisas, sempre são exageradamente sábios para suas idades e suas roupas jamais perdem o vinco ou desbotam.

Então ali o Príncipe olha aquele verdadeiro cadáver e, tomado por intensa paixão (que alguns chamariam simplesmente de necrofilia) beija a desconhecida, e mais, a toma para sua mulher, portanto para futura rainha do Mundo que é seu Reinado.

Algo me diz, contudo, que a desconhecida não tinha exatamente a aparência que lhe apôs os Estúdios Disney, mas, bem mais provável que Branca de Neve fosse melhor retratada como acima o que, convenhamos, seria mais compatível não apenas com o amor devotado por cada um dos seus sete followers (ah, sim,  desculpe a linguagem mais contemporânea), mas com a inesperada tesão do indigitado filho do Rei (essa expressão lembra algo? Não, né? Se lembra, foi totalmente involuntária).

De todo modo, presume-se que muitas Brancas de Neve semelhantes tenham influído nos vários reinos e reinados espalhados por aí, desde os albores de nossas fantasias.

HILTON BESNOS

Dúvidas


Sempre que se vai iniciar algo, somos tomados por dúvidas. Ora, se elas tiverem a natureza de te inpulsionar para buscar soluções, ótimo! Mas podem ser aquelas paralisadoras, que acabam fazendo com que nos venha a quase certeza de que não iremos prosseguir. Quando isso se avoluma demais, a vida fica meio desajeitada, caída para um lado, uma sombra que parece que engorda dia-a-dia, e não sabemos exatamente o que pode vir daí para frente. Um belo dia, no entanto, você resolve que já tem muita coisa acumulada, e aí vem o pedido de socorro. Normalmente as respostas que você recebe são baseadas no senso-comum, naqueles conselhos que você conscientemente já sabe que viriam. O resultado é que tanto apenas faz aumentar um indefinível sentimento de culpa. Porque você já tem um, maior ou menor, que deriva justamente da sua consciência de que ficou por ali, ciscando, sem forças para agir. O senso-comum vem e coloca ainda mais pressão em um sistema instável.

Seu mundo, então, não passa a ser algo afirmativo, seja para as melhores ou para as piores decisões possíveis. Ele passa a ser algo no qual o talvez ocupa o lugar de protagonista e sequer o antagonista você consegue definir. Enquanto isso, o tempo continua a criar seus espaços maiores ou menores, e se menosprezar não resolve nada, da mesma forma como se enaltecer igualmente não traz nenhuma modificação. Estamos aí, com uma dor de dente que insiste em nos incomodar o tempo todo. Embora saibamos que o dentista é a melhor solução, temos medo da dor que virá… O talvez é, assim, o nosso passaporte para o lugar que, temerariamente, ocupamos. Não há qualquer novidade, nenhuma sombra de diferença, qualquer modificação no que já existia. A paralisia é isso, o peso que carregamos e que nos oprime, que nos achata no chão. O talvez é o exagero da mesmice, do mesmo modo que a barbárie é o máximo da incivilidade.